Notícias

Notícias

Materiais sustentáveis na construção: Da tradição à vanguarda tecnológica

A construção sustentável já não depende apenas de novas tecnologias, mas sobretudo de conhecimento e vontade de mudar. Nesta entrevista, Paulina Faria, docente e investigadora da NOVA FCT, aborda os principais entraves à adoção de materiais ecoeficientes, aponta inovações que resgatam técnicas ancestrais e reforça a necessidade de formação contínua para projetar edifícios mais saudáveis, duráveis e amigos do ambiente.

 

Fotografia: João Lima/NOVA FCT

 

Quais são os principais desafios na implementação de produtos e tecnologias sustentáveis na construção?

Eu diria que, na maior parte dos casos, não há grandes desafios; para muitas situações, basta haver conhecimento e vontade. É a falta de conhecimento que, para mim, é o principal problema. Muitas vezes assume-se como sendo mais sustentável optar por material ou produto de construção que tenha menor energia incorporada. Mas nem sempre. A sustentabilidade deve ser vista em termos dos recursos utilizados, mas também da eficiência no seu uso e, claro, da durabilidade dessa utilização cumprindo os requisitos de desempenho definidos. Por exemplo, se aplicarmos placas de aglomerado de cortiça expandida na reabilitação térmica de uma cobertura plana em que a estanquidade ainda está garantida, embora seja o produto de isolamento térmico de menor energia incorporada, essas placas vão absorver alguma água (não tem porosidade fechada, que é um requisito fundamental para esse tipo de aplicação). Dessa forma a sua condutibilidade térmica vai aumentar e o seu contributo para o isolamento térmico da cobertura vai reduzir, deixando de ter o seu desempenho otimizado sempre que chova. Outro exemplo pode ser a execução de uma construção com estrutura de madeira, que até pode ter impacto positivo. Mas se forem aplicados pilares de madeira em contacto com o terreno, é muito provável que, no nosso clima, estes venham a ser atacados por térmitas e tenham a sua durabilidade muito reduzida, reduzindo também muito a sustentabilidade da solução. Por isso eu acho que o principal desafio é mesmo deter conhecimento aprofundado sobre os materiais disponíveis, as tecnologias construtivas e a patologia da construção.

 

Há alguma resistência do setor em adotar esses materiais? Como pode ser ultrapassada?

Há sempre alguma resistência. Em parte é por ser assumido que ser mais sustentável (ou mais ecoeficiente, como eu prefiro usar) é mais caro, o que nem sempre acontece. Mas a resistência é principalmente por quem não se quer dar ao trabalho de mudar um pouco o que faz correntemente, tentando otimizar as soluções construtivas. Para tal eu acho ser fundamental que, tal como noutras áreas, os profissionais da construção, e principalmente aqueles que projetam os edifícios, atualizem ao longo da vida alguns conhecimentos e competências.

 

Que inovações estão a surgir no desenvolvimento de materiais de construção sustentável?

Muitas coisas, embora algumas não sejam tão novas assim. Por exemplo, ao nível da substituição de matérias-primas por resíduos e subprodutos, na produção de produtos para a construção, há muito desenvolvimento em curso. É algo novo? Não: já os Romanos, há 2 milénios, reciclavam resíduos utilizando-os na construção. Por exemplo as ânforas, que eram os antepassados dos recipientes que agora usamos, partiam-se muito nas viagens ao longo do império. As que já não estavam funcionais era partidas, resultando em fragmentos de dimensão de agregado e pó de cerâmica vermelha cozida. Estes eram utilizados em substituição de areia natural e, como pozolana artificial, como adição ao ligante, que eram utilizados na produção de argamassas e betões (de cal aérea). Para além de serem argamassas mais sustentáveis, tinham desempenho melhorado por exemplo em termos de durabilidade à água.

Mas é verdade que atualmente se estuda a reciclabilidade de muitos mais resíduos e subprodutos, de indústrias muito variadas, sempre na perspetiva de reduzir o consumo de matérias, mantendo ou melhorando alguns aspetos do desempenho dos produtos da construção. Por outro lado, procura aprender-se com soluções que eram utilizadas na construção vernácula, trazendo-as para a modernidade. Um exemplo é o desenvolvimento e a aplicação de rebocos de terra, que são produzidos usando apenas a argila presente nas terras como ligante, em vez de outros ligantes que são produzidos por calcinação a elevadas temperaturas como as cais ou os cimentos.

Aplicados em zonas secas no interior de edifícios, estes rebocos são muito higroscópicos; que dizer, têm grande facilidade em captar e libertar ciclicamente vapor de água. Dessa forma funcionam passivamente como buffers de humidade, contribuindo para o equilíbrio da humidade relativa, e para a sensação de conforto (higrotérmico) nos edifícios. Outro caso de inovação é a aplicação de biotecnologia à construção, como seja a utilização de micélio como ligante natural por exemplo no desenvolvimento de placas para isolamento térmico. Um outro exemplo de inovação sustentável na construção é a utilização de manufatura aditiva: por exemplo, elementos construtivos ou mesmo edifícios construídos por impressão 3D. No entanto, enquanto em termos de redução de resíduos produzidos este tipo de manufatura é sustentável, há aspetos de energia incorporada que têm de ser tidos em conta (por exemplo em termos da quantidade de cimento utilizado como ligante) e de desempenho em termos de conforto devido às pontes térmicas que não são fáceis de anular.

 

Como a escolha de materiais e sistemas de construção influencia a saúde dos ocupantes?

Essa é uma muito boa questão, que pode ser vista de diferentes perspetivas. Por exemplo a qualidade do ar interior dos edifícios (QAI) corresponde a um requisito de desempenho que, embora muito importante, só recentemente tem vindo a ser investigado nos materiais e produtos utilizados na construção e a começar a ser solicitado pelos utilizadores. Mas a saúde não tem apenas a ver com QAI. Tem também a ver com conforto, que pode ser higrotérmico, acústico, visual. Tem também a ver com a inexistência de anomalias, pois se estas existirem, até o sistema nervoso dos ocupantes pode ser prejudicado. Por isso a necessidade de projetar, construir e manter em condições edifícios compostos por elementos construtivos bem concebidos, executados e utilizados, é fundamental.

Um caso muito associado à saúde dos ocupantes é a garantia de utilização de materiais de construção que não libertem gases tóxicos, como são por exemplo os compostos orgânicos voláteis. Existiam em tintas e em colas que, felizmente, a legislação europeia tem vindo a condicionar. O caso dos rebocos de terra que falei antes é um exemplo de produto da construção que pode ter um efeito positivo não só em termos de sustentabilidade mas também na saúde, uma vez que, ao equilibrar a humidade relativa no interior dos compartimentos onde estão aplicados, reduz períodos em que possam estar demasiado húmidos ou demasiado secos, reduzindo também os malefícios que esses valores extremos possam implicar nos ocupantes, por exemplo ao nível dos sistemas vocal e respiratório. Por outro lado, a sua pigmentação natural evita a necessidade de pintura e apresenta efeito estético que pode ser considera calmante, contribuindo também para a saúde.

 

Que medidas podem ser implementadas para tornar as habitações mais saudáveis e eficientes?

Diria que o primeiro passo para garantir habitações saudáveis e eficientes é projetar, construir e manter em boas condições edifícios que, por sua vez, sejam constituídos por elementos construtivos bem concebidos, bem executados e bem utilizados. Isso garante durabilidade que, entre outros, reduz o impacto ambiental. O conhecimento dos projetistas sobre a diversidade de materiais e tecnologias existentes, das suas vantagens e limitações, poderá tornar as habitações também mais saudáveis, tal como falado anteriormente.

 

O que é que a NOVA FCT, e em particular a Professora, está a trabalhar para criar novas soluções na engenharia civil?

Posso dar, entre outros, um exemplo em que o grupo EcoBuilding aqui da NOVA FCT trabalha já há uma década, que pretende aumentar o conhecimento sobre a utilização da terra como material de construção. Portugal tem uma grande tradição de construção com terra, nomeadamente com muitas estruturas defensivas que foram construídas há muitos séculos, utilizando terra como material de construção principal, por exemplo através da técnica da taipa.

A terra é constituída por diferentes tipos e frações de argila, silte, areia e agregados de maiores dimensões. Pode ser é extraída do solo especificamente para ser utilizada na construção mas, em vez disso, é mais ecológico utilizar a terra resultante de escavações para a construção de fundações, caves, vias de comunicação. Esta é um resíduo “inerte” e não tóxico, exceto se os solos estiverem contaminados por antigas indústrias. Em virtude da investigação em curso por todo o mundo, em julho de 2026 vamos receber aqui na Faculdade a 3rd International Conference on Earth Construction. Realizar edifícios com paredes de terra é um nicho de mercado que não se adapta, por exemplo, a construção em altura. Mas a terra pode ser utilizada para a produção de rebocos interiores muito eco-eco-eficientes, que podem ser aplicados sobre quase todo o tipo de paredes, novas e em fase de reabilitação. Nesse caso, os agregados mais grossos da terra são removidos por peneiração, podendo ser utilizados como agregados para produzir outros produtos para a construção. Para além disso, este tipo de rebocos é compatível com paredes de alvenaria de blocos de elevado desempenho térmico e acústico como são, por exemplo, os blocos produzidos com fibras de cânhamo ou de outros resíduos da agroindústria.

Refiro que estes rebocos são eco-eco-eficientes porque, por um lado apresentam uma baixa energia incorporada, sendo muito ecológicos e, na maior parte dos casos, podendo ser reutilizados, apenas tornando a misturar com água. Não utilizam ligantes que tenham de ser produzidos por calcinação a temperaturas elevadas e, quando necessitam da adição de um agregado suplementar, alguns resíduos podem ser utilizados como areia reciclada. Por isso em termos de materiais são bastante económicos. Para além disso, a sua aplicação é simples, podendo ser manual ou mecânica, por projeção, como qualquer outro reboco. O contacto da nossa pele com o material é como se fosse até um tratamento de argila. Por outro lado, e tal como referido antes, funcionam como buffers de humidade, captando humidade relativa (HR) quando o ambiente interior está muito húmido e libertando, ciclicamente, quando está mais seco. Dessa forma, regulam, de forma passiva (sem gastos de energia), os níveis de HR no interior dos compartimentos, tornando estes mais confortáveis mas também mais saudáveis.

Obviamente o tipo de terra utilizada (o tipo da argila existente e as diferentes frações de silte e areia), a eventual adição de materiais complementares para a formulação das argamassas para os rebocos e respetivo teor, a aplicação, com eventuais reforços (por exemplo perfis em esquinas ou redes naturais na superfície), o acabamento, a secagem, eventuais tratamentos de superfície, têm influência no resultado final. Cada terra tem as suas características, pelo que se tem de perceber muito bem cada uma, para otimizar a argamassa a realizar com esse recurso. Este tipo de rebocos é objeto de uma norma alemã DIN 18947, desde 2013, sendo a última versão de 2024, que demonstra a atualidade e interesse deste tipo de rebocos interiores. No entanto, não existe ainda norma europeia, pelo que estamos a trabalhar nisso, como base no nosso conhecimento sobre desenvolvimento, caracterização e otimização de rebocos produzidos com diversas terras e adições naturais.

Abril 2025